Escrito por: Thaís Gasperin
Todos os molhos da Rigas Spices são feitos com pimentas fermentadas. Bora conhecer um pouco mais sobre esse processo?
Eu, pessoalmente, acho a fermentação uma coisa muito louca. Ela acontece em tudo! Simplesmente tudo que é orgânico pode fermentar um pouquinho antes de sumir completamente. Afinal, a fermentação é a degradação parcial da matéria orgânica. Porém, ao mesmo tempo, ao transformar açúcares em ácido e/ou álcool, preservá-se a integridade da matéria. Em condições específicas, pode até mesmo cessar a dita decomposição e tornar os alimentos ainda mais saudáveis e deliciosos. É um fenômeno extraordinário, que possibilitou ao ser humano conservar alimentos e criar sabores distintos através do processo fermentativo.
Fermentações artesanais em potes herméticos dotados de airlock que permitem a saída de ar e impedem a entrada de oxigênio. Assim, a medida que a fermentação ocorre, apenas o gás carbônico irá preencher o headspace nos potes. Foto: Canva.
Aqui, farei um apanhado geral sobre o tema, pra que a gente fique mais por dentro desse assunto tão massa que é a fermentação! Bora?
A fermentação nas antigas...
Os primeiros registros de fermentação datam de 5 mil anos atrás, no império Egípcio. Por lá, eles já manjavam muito sobre fermentar pão. É, pão de fermentação natural, do mesmo tipo que as padocas gourmet fazem hoje em dia. Os egípcios tinham, inclusive, padarias que produziam pães em escala industrial.
Hieróglifos egípcios mostram processo do pão. Imagem: Internet.
Os hieróglifos mostram o processo, fermento biológico foi encontrado dentro de peças cerâmicas da época, e houve também um registro do grego Heródoto que ficou só de olho nos pães fofinhos dos egípcios e escreveu que “enquanto todos os outros povos temiam o apodrecimento dos alimentos, os egípcios dispunham a massa obtida a partir da farinha de modo a obrigá-la a entrar num processo à primeira vista semelhante ao apodrecimento. (...) Era nem mais nem menos do que a fermentação”.
Meme de Heródoto. Imagem:Criada no Canva por Thaís G.
Na mesma época, os povos egípcios, mesopotâmicos e iberos, já brincavam de fazer cerveja, que vem da mesma vertente dos pães: um mosto de grãos que dá luz a bebida alcoólica mais consumida no Brasil.
Nessa história toda, também existe o vinho. A galera não conseguiu nem definir quando ele foi criado, de tão antiga que a coisa é. Apareceu antes da escrita. Os historiadores acreditam que ele surgiu por acaso: um punhado de uvas esquecido que fermentou naturalmente e deixou o pessoal bêbado.
Fermentação artesanal de vinho com airlock improvisado. Imagem: Canva.
As fermentações eram feitas de forma empírica (e até hoje em dia, muitas vezes ainda são): observando o aspecto das coisas, o sabor, as condições do ambiente que propiciavam um resultado melhor, o conhecimento transmitido entre as gerações. Com o tempo, a fermentação ia sendo aprimorada: isolando-se os alimentos, deixando-os descansar, colocando-os no subsolo pra controlar a temperatura e a incidência de luz.
Mas aí surgiu um cara muito inteligente pra colocar os pingos nos i's:
Louis Pasteur, um bioquímico francês. Seu estudo no campo da fermentação, dos microrganismos, leveduras e bactérias, teve, tem e sempre terá grande impacto na nossa vida.
Louis Pasteur like a boss.
Imagem: Criada no Canva por Thaís G.
Ele comprovou que os microrganismos aparecem e crescem por esporos presentes no ar e nos alimentos, e não por geração espontânea como se acreditava na época. Esta descoberta foi um avanço extraordinário no campo da medicina e da saúde pública, para prevenção de doenças contagiosas.
Meme criado com Retrato de Louis Pasteur no laboratório, pintado por Albert Edelfelt.
Imagem: Internet/Criada no Canva por Thaís G.
A partir de sua pesquisa ele determinou que alguns microrganismos específicos não precisam de oxigênio para sobreviver, os chamou de anaeróbios e afirmou "fermentação é vida sem oxigênio". Mais tarde, ele comprovou que a fermentação era, inclusive, mais eficaz quando estes microrganismos não tinham contato com o ar.
Meme de Pasteur criado no Canva. Imagem: Criada no Canva por Thaís G.
Com suas descobertas, ele determinou que microrganismos também eram responsáveis por estragar bebidas como leite, cerveja e vinho. Para resolver o problema, ele comprovou que o processo de aquecimento dos alimentos em uma temperatura entre 60ºC e 100ºC por um certo período, e depois a redução drástica de sua temperatura, seria eficaz para eliminar a maioria dos seres vivos presentes e prolongar a validade do alimento. Este processo foi chamado mais tarde de Pasteurização.
O que é a fermentação, afinal?
Graças a Pasteur, hoje sabemos que a fermentação é um processo bioquímico, sem a necessidade de presença de oxigênio (anaeróbio), em que fungos e bactérias transformam a matéria orgânica.
Há 3 tipos principais de fermentação que consumimos no nosso cotidiano:
ocorre pela presença de leveduras (fungos), que transformam açúcares em álcool. Aqui, podemos citar o vinho, a cerveja, a kombucha, o saquê, o pão e, até mesmo, o biocombustível etanol.
Fermentadores industriais de cerveja. Imagem: Canva.
É uma derivação da fermentação alcoólica, ocorre com a presença de bactérias específicas, que transformam o álcool etílico em ácido acético. É muito comum na produção dos variados vinagres: de uva, maçã, álcool, jabuticaba, etc. Ela também ocorre na deterioração de bebidas de baixa graduação alcoólica, como acontece em vinhos que, sem querer, viram vinagre, e até mesmo de cervejas artesanais não pasteurizadas, que em alguns dias são dominadas pelo sabor avinagrado.
Vinagre de maçã. Imagem: Canva.
Ocorre através de bactérias (a mais conhecida é a Lactobacillus), transformando açúcares em ácido láctico. Aqui entram o iogurte, o queijo a manteiga. Mas ela não está limitada apenas aos derivados do leite, como o nome poderia sugerir. Ela também acontece na fabricação do chucrute, do kimchi, do missô, do shoyo e do kefir e, também, o molho de pimenta da Rigas Spices.
Processo de fabricação artesanal do chucrute: o repolho é esmagado dentro do recipiente para soltar seu líquido, em meio a salmoura querestringe a proliferação de bactérias nocivas e favorece a fermentação lática. Imagem: Canva
Como as leveduras e bactérias estão em tudo: no ar, na água, na nossa pele, na superfície dos frutos e verduras, o que determina o tipo e fermentação predominante é qual microrganismo prevalece naquele meio.
Isto pode ser controlado com a adição de leveduras ou bactérias específicas, ou com a utilização da fermentação natural. Esta ocorre a partir das bactérias e leveduras presentes no ar, na água e nos frutos ou verduras utilizados.
Em qualquer caso, para que o resultado seja satisfatório, basta ter cuidado para não contaminar o alimento com bactérias nocivas, e a higiene e assepsia são a forma mais garantida de controle.
Pimenta dedo-de-moça fermentada para
o molho Sriracha da Rigas Spices.
Imagem: Thaís Gasperin.
Também é necessário dar as condições ideais para o processo fermentativo saudável, como isolar o mosto, barrar o contato com o oxigênio utilizando airlock, limitar a entrada de luz e controlar a temperatura e o tempo da fermentação. Aspectos como a coloração, cheiro, sabor, além de medições de Ph e brix, também contribuem para um controle ainda maior do resultado da fermentação. Depois, é só ver a magia da fermentação acontecer!
Na Rigas Spices todos os molhos de pimenta e mostarda passam pelo processo de fermentação. O ácido lático (e até um pouco de álcool) que surge na fermentação, reduz o pH do mosto e pimentas para menor de 4,5.
Neste meio super acidificado, a maioria das bactérias nocivas não sobrevive, o que favorece e muito a conservação do molho de pimenta de forma natural.
Além do ganho em conservação, a fermentação agrega notas de aroma e sabor ao molho, trazendo realce ao frutado das pimentas.
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Artigo escrito por Thaís Gasperin, sócia-fundadora e mestre pimenteira da Rigas Spices, artista nas horas vagas, graduada em engenharia civil e mestre em engenharia de produção e sistemas.